
Fala, minha gente! Tudo bem com vocês?
Pois é, estamos dando início nessa semana ao projeto "Na panela tem...". Este projeto consiste em analisarmos livros publicados e que tenham como mote a reflexão acerca das práticas alimentares. Certamente, não figurarão apenas livros de cozinha ou história da alimentação, travaremos um diálogo bem amplo, de modo a pôr a cozinha em xeque a partir de vários vieses.
Para a primeira postagem, "Comida como Cultura" foi um mega presente. Relê-lo e observar coisas que haviam passado nas leituras anteriores foi mesmo uma delícia. Dividi com os alunos do 3o período um dos textos deste livro, resolvi aproveitar e ler tudo. Foi ótimo! Vamos à análise!
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MONTANARI, Massimo. Comida como Cultura. Tradução de Letícia Martins de Andrade. São Paulo: Senac, 2008, 207 pp. (A tradutora escreveu uma resenha da obra que vale a leitura!)
Com apresentação à edição brasileira do maravilhoso professor Henrique Carneiro, o escrito de Massimo Montanari se torna um presente ainda mais especial para nós, os leitores brasileiros.
O autor Massimo Montanari é historiador medievalista e professor da Universidade de Bolonha, na Itália. Suas pesquisas giram em torno da produção agrícola ao longo da Idade Média e, assim, foca seus trabalhos na alimentação camponesa, especificamente.
Como o título do livro já apresenta, a perspectiva de Montanari é trabalhar as relações entre a alimentação (e não a cozinha, o que é importante) e a percepção do que é cultura. Para atingir seu objetivo, é perceptível a inspiração nos trabalhos do antropólogo Claude Levi-Strauss (1908-2009), com quem pactua da noção maior que permeia o trabalho: a linguagem e a cozinha são os primeiros produtos culturais de um grupo social. Fantástico, não é?
Na primeira parte, intitulada "Fabricar a própria comida", o autor fala principalmente da relação entre natureza e cultura. Não caindo nos determinismos biológicos e geográficos de manifestação cultural, Massimo Montanari busca nos apresentar quais são as relação entre a natureza e a formação cultural - com destaques, claro, à alimentação (mais que isso, à produção da comida). Além de refletir sobre o que a natureza disponibiliza ao homem, o autor fala das tentativas do homem de dominar a natureza e os ciclos naturais, de modo a ter os mesmos alimentos ao longo do ano todo, ao mesmo tempo em que aprende a conviver com os vários período aos quais está sujeito - períodos de sazonalidade.
A segunda parte, "A invenção da cozinha", trata dos modos de fabricar a comida e a noção de civilização. O personagem principal deste trecho é, sem dúvidas, o fogo, e como seu domínio foi essencial para que, segundo o autor, o homem se diferenciasse das "bestas". Além do fogo, a cozinha oral e a cozinha escrita também são discutidas por ali, evocando as relações entre prazer e saúde na alimentação ao longo da história. Essa parte, em especial, É A MAIS LINDA DO LIVRO TODO! Todo mundo deveria ler esse trecho, é emocionante.
Já a terceira parte, evocada como "O prazer (e o dever) da escolha", trata dos hábitos alimentares e das escolhas (?) quanto ao consumo da comida. O brilhoso Brillat-Savarin (1755-1826) é o sopro de inspiração para este trecho. Quem já leu o Fisiologia do Gosto (livro que analisaremos mais à frente) ficará encantado com esse trecho. Em suma: o gosto é um produto social! E aqui estão algumas provocações muito importantes para compreendermos isso.
A última parte, "Comida, linguagem e identidade" é, certamente o trecho mais antropológico da obra. Chegando a comparar a comida à gramática, Massimo Montanari nos expõe hábitos/atos totalmente mecânicos de nosso cotidiano, jogando na nossa cara como a alimentação é, apesar de mecânica, um acervo de fazeres lindamente instituídos em nossas vidas.
Não bastando o livro ser fantástico, ao invés de uma parte com referências bibliográficas, trás um "GUIA À LEITURA", onde divide os assuntos por interesses, estes homônimos às partes de seu livro. Não é uma ideia fantástica? Vários destes livros eu adquirirei em breve!
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Análise
A obra é maravilhosa! A escrita de Massimo Montanari é rápida e fluida, ao mesmo tempo em que a beleza de sua prosa nos trás conceitos densos e importantes. Vale reforçarmos que a sua obra é de grande importância, já que "Comida como Cultura" é mais um livro da carreira de Montanari, que tem o célebre "História da Alimentação" (1993) em seu extenso currículo.
Vale ressaltarmos que a obra exige alguma instrumentalização com alguns conceitos, já que fala sobre Idades Antiga, Média, Moderna e Contemporânea de forma muito ligeira. Seus conceitos vão e voltam, e por vezes são expressos pelos próprios consumos alimentares. Se parecer difícil num primeiro momento, não desista: a fluidez aparece mais rápido que imaginamos.
Algumas jogadas com as palavras (o texto original é em italiano) acabaram não dando muito certo na obra traduzida, o que exigiu um bocado de notas da tradutora, mas nada que comprometesse o conteúdo. Mais que isso: a tradutora soube escolher o que deixar no estrangeiro (já que o autor utiliza trocadilhos em italiano, latim e francês), e foi bem gentil em nos deixar a par das intenções do autor.
Apesar da tradução maravilhosa, a profa. Letícia Martins de Andrade acabou deixando passar alguns probleminhas de anacronia. Isso acontece, por exemplo, quando o autor se refere a um bolinho de feijão (???????) na Idade Média européia, apesar do feijão ser americano e só ter ido ao Velho Mundo durante a Modernidade (séc. XV-XVIII, aproximadamente). Poucas coisas, porém, passaram à criteriosa vista da tradutora, que é historiadora da arte, e não da alimentação.
Devemos enfatizar, ainda, o trabalho da Editora Senac São Paulo. Nos presentear com essa obra é permitir que o universo de estudo da História da Alimentação no Brasil se ressignifique, haja vista a importância da obra o do autor.
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E aí, gostaram? Espero que sim!
Na próxima semana nós escreveremos sobre a sugestão da queria Thays, minha aluna do 3o período, que propôs uma discussão sobre alimentação e estética corporal. Já estou aquecendo as teclas do computador!!!
Não deixem de comentar esta postagem! Estou louco pra saber o que você achou desse novo projeto!
Então nos vemos na próxima semana! Tchau, gente!!!!
6 comentários:
Excelente! O trecho que li de Comida como Cultura me deixou querendo mais, e me lembro bem que o professor ofereceu o livro como empréstimo pra quem quisesse (tô na fila! Hehehe). Logo se vê que não apenas Massimo Montanari gosta de jogar com as palavras, ri internamente do "brilhoso Brillat"! E sobre o que eu achei só projeto novo? Acho que você sabe exatamente do que nós, leitores, precisamos! A maneira como você fala da obra a deixa ainda mais imperdível. Recomendação aceita! Ansiosa pelo texto da semana que vem =) tchau
Oi Thays!!!
Gostou do "brilhoso Brillat", né? Rs. Que bom que curtiu!
Fico muito feliz por ter curtido o projeto tb. Tentarei intercalar entre postagens cotidianas (a sua sugestão de tema já é pauta para a próxima postagem, inclusive) e o "Na panela tem...". Vá conferindo que vem mais novidades.
Obrigado pelo carinho!
Fiquei c vontade de comer ops! ler! rs bju
Leia, Bea! Certo de que c vai adorar.
Bjs.
Oi Fernando, finalmente li seu texto. Obra maravilhosa, já li toda e antes mesmo de ler seus comentários já tinha achado fantástico as indicações de leitura que o autor faz ao final do livro, achei muito proveitoso e deveria se tornar uma prática.
Outra coisa que me chamou muito à atenção foi a abordagem que ele faz dos modismos de se resgatar culturalmente hábitos e costumes que fazem mais parte do imaginário romântico que da história concreta, percebi que este movimento é presente não só aqui, mas na Europa também.
Abraços
Oi Roger! Estamos envolvidos pelos modismos, né? Mas é isso, as modas mudam, acho que cabe a nós um papel ativo e consciente sobre essas mudanças, certo? Abraços.
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