terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Vamos continuar aquele papo e O Cozinheiro Pensante

Fala, minha gente! Tudo bem com vocês?

Já nos recuperamos todos do carnaval? Espero que sim! Eu já retomei o meu trabalho na quinta-feira passada. A correria do ano, enfim, está oficialmente inaugurada.

Quero saber de vocês: gostaram do texto de carnaval? Eu achei muito bacana a reflexão sobre a "carne" (em sentido lato e stricto, rs.) e a guarda da quaresma para a Páscoa. Falava na última sexta-feira com os meus alunos acerca da influência da religião sobre os hábitos alimentares, e acho que esse período, ora em tela, mostra bem isso.

Mas hoje, como prometi no post da segunda semana de blog, retomamos as discussões a respeito da cozinha e do papel do cozinheiro.


Le Cuisinier Fraçois, de Pierre de La Varenne (1618-1678), primeiro 
escrito de cozinha publicado (1653) por um cozinheiro

Se você leu a minha publicação no jornal (que postei no último dia 07), pôde ver como os livros de cozinha e os cozinheiros influenciaram as tramas atuais da alimentação. Se o raio gourmetizador faz parte de nosso cotidiano, suas raízes são históricas e nos remetem a antes da era Cristã.

É a partir dessa perspectiva que quero expor a continuação do assunto "Cozinheiro Pensante" e dos livros de cozinha.

A medicina e a alimentação tiveram uma ligação histórica. Conforme nos conta o historiador Felipe Fernandez-Armesto, em seu "Comida, uma história", a nutrição só será desvinculada da medicina e vista como um campo de atuação terapêutica a partir do século XIX. Isso nos mostra, portanto, que os insumos alimentares são dotados de ações terapêuticas e, portanto, foram o remédio na cura de muitos males pela medicina.

Desde Hipócrates (460 a.C.-370 a.C.), pelo menos, a saúde foi vista sob a ótica da teoria dos humores. Esta teoria diz, em linhas gerais (acesso o link anterior para conhecer um pouco mais) que a saúde é pensada a partir dos humores - coléricos, sanguíneos, fleumáticos e melancólicos - e que, para uma saúde plena, tais condições humorais deveriam estar em equilíbrio. Vale ressaltar, ainda, que cada humor condiz, segundo essa teoria, a um órgão e a um fluido corpóreo; os alimentos, por sua vez, influenciavam no equilíbrios estre estes órgãos e estes fluidos.


A teoria humoral

Os alimentos eram classificados em frios, quentes, úmidos e secos. Como podemos pelo quadro acima, seus consumo era prescrito pelos médicos para visar o equilíbrio da saúde. De modo sintético, se seu humor enquadrava-se mais próximo ao colérico, seu órgão mais atacado é o fígado, seu fluido corpóreo mais significativo é a bílis amarela, seu humor se localiza entre o seco e o quente, e o elemento que melhor o representa é o fogo; sua alimentação será prescrita a partir de alimentos úmidos e frios, de molo q colocá-lo em equilíbrio neste quadro. Conseguiram entender?

Este processo, como dito, foi muito importante até o século XIX. Em pesquisas e conversas junto à minha orientadora, descobrimos que o rei português D. João V (1689-1750) teve prescrições feitas por seu médico e que foram transformadas em livro (me perdoem! Esqueci o nome da obra e a minha orientadora está de férias! Assim que ela voltar, peço a ela o nome da obra e linko o pdf dela aqui).

Bom, retomando a questão, a cozinha e a medicina, portanto, estiveram juntas ao longo de muitos anos. Os cozinheiros das cortes (na Antiguidade e na Idade Média) tinham por premissa, então, reproduzir para seus senhores o que lhes era medicado e, em ocasiões especiais, o que era sinônimo de opulência, segundo a moda do período em que estavam inscritos. Detalhe: esses modismos eram criados entre as cortes principalmente por influência da igreja católica, que dizia, por exemplo, que os pássaros eram os alimentos mais nobres, pois voavam e, por isso, estavam mais perto de Deus. Essas noções se modificam ao longo dos tempos, mas é na Modernidade que o cozinheiro começa a ocupar um lugar de destaque.

Em 1651, na Inglaterra, o cozinheiro francês Pierre de La Varenne publicou seu livro de cozinha, recusado pela França num primeiro momento. Seu livro ganhou expressões naquele país, o que incentivou o rei francês a publicar o livro do cozinheiro em 1653. Segundo os historiadores Philip e Mary Hyman, que escrevem o capítulo 35 (intitulado "Os livros de cozinha na França entre os séculos XV-XIX") do célebre História da Alimentação, este livro inaugura a figura do que chamam de o cozinheiro pensante. Este cozinheiro pensante, portanto, abandona pouco a pouco o seu papel serviçal para assumir posto de destaque nas cortes europeias. Os alimentos passam a ser consumidos não mais exclusivamente por indicação médica ou por modismo religioso, mas por sugestão ou indicação do cozinheiro. Repare: não se trata, ainda, do chef du cuisine, termo que ganha destaque somente com Auguste Escoffier (1846-1935), mas do cozinheiro (ou, como será chamado Domingos Rodrigues (1637-1719) em Portugal, mestre de cozinha).

A partir deste período, o cozinheiro foi ganhando destaque nas cortes europeias, tornando-se as grandes referências das tendências alimentares. Mais que os cozinheiro, os cozinheiros franceses ocuparam esse posto, já que a França é, desde a Modernidade, a referência para a gastronomia ocidental - talvez, para a gastronomia mundial. 

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E aí, gostaram do texto? Não deixem de comentar! Esse é o feedback de recebo da percepção de vocês. Fiquem à vontade para expressar sua opinião/percepção.

Viram que o blog está de layout novo? Pois é! Sugestão da querida Elaine Vieira, amiga jornalista de muitas primaveras atrás. Ela me sugeriu colocar um fundo branco, de modo que ficasse mais atrativo e menos cansativo para ler. Como sou um ser incapaz, peguei esse plano de fundo sugerido pelo blogspot, mas eu até gostei! Gostaram também? Comentem!

Bom, se vocês repararem, todos os textos são repletos de links. Acessem-nos para ampliar as discussões e/ou para conhecerem as obras sobre as quais eu falo aqui. Todas essas obras fazem parte do meu acervo pessoal e eu as considero fundamentais para os estudos propostos aqui em nosso blog.

Na semana que vem eu pretendo falar um pouco mais sobre os livros de cozinha, especificamente. Então fiquem ligados para a próxima postagem na terça-feira da semana seguinte, ok?

É isso! Boa semana para todos nós e espero que tenham gostado.

Cruji-tchau!

4 comentários:

Thays Botelho disse...

Cruj tchau? Você é ultra jovem, hein!(pra não dizer velho, se não vou ter que me encaixar!) Hahaha.. Brincadeiras à parte, parabéns pelo blog, estou adorando as postagens e me deliciando com os links! Vejo que a alimentação está recuperando seu posto de medicina, e a forma de produzir os alimentos está retornando às raízes com os orgânicos. Quando puder fale um pouco sobre isso, quais movimentos trouxeram nossa relação com o alimento até aqui: o apelo dos orgânicos, o aumento da preferência por comprar direto do pequeno produtor, a preocupação com transgênicos, venenos, trabalho análogo à escravidão... Será o inconsciente coletivo evoluindo? Ou será apenas um movimento pontual e localizado?
=*

Unknown disse...

Oi Thays.

Que bom que curtiu o blog! Vc é o meu primeiro comentário aqui, isso me deixa muito feliz!

Valeu a sugestão de pauta! Em breve eu falarei sobre isso!

Cruj tchau pra vc!

;)

BBA disse...

Oi pra vcs. O tema me instiga o comentário. Minha contribuição. Desde sempre o alimento era reconhecido por sua participação na manutenção e recuperação da saúde. Alimentos produzidos comumente, em modos de preparo específicos e tradicionais (não por isso menos eficientes). Com o avanço das ciências e técnicas, a identificação dos elementos constituintes dos alimenntos - nutrientes e outras substâncias bioativas - desloca o interesse e atencao das populações (agora com a "ajuda" das midias) para essas substâncias, isoladamente. É o que se conhece como medicalizacao da alimentacao que já encontra críticas e adversarios dentro dos meios da Nutrição.
Bjos ;)

Unknown disse...

Otima contribuição, Bea! Isso nos convoca, inclusive, a refletir quais são os papéis da gastronomia, da nutrição e das ciências dos alimentos em conjunto! Farei uma postagem sobre isso em breve.

Obrigado pela troca!