terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Livros de cozinha: expressão da realidade alimentar?

Fala, minha gente! Tudo bem com vocês?

Bom, na última semana nós falávamos sobre o foi a cozinha ao longo da história, falávamos sobre a relação entre alimentação e medicina, além de tentarmos aferir o momento em que essa relação ocupa instâncias mais autônomas e menos dependentes. Lembram?

Pois é. Como promessa é dívida, continuaremos a falar sobre essa relação, agora, a partir dos livros. 

Já falamos sobre o primeiro livro de cozinha a ser publicado, já falamos sobre o autor, os processos de autonomia que seguiram... enfim, falamos um bocado sobre essa história toda. Mas falamos pouco sobre os livros em si; nosso tema, então, vai se localizar em analisar os escritos em si.

No post anterior, falei sobre os primeiros escritos que tinham a cozinha em seu escopo (Edipateia e De Re Coquinaria). Vimos que a alimentação era ali expressa como citações do que eram boas iguarias e quais lugares produziam melhor determinados produtos. Lembram-se?

Pois bem, a coisa foi assim por muito tempo. Há escritos da Antiguidade e da Idade Média que trazem a alimentação em seu escopo também - normalmente, para não esquecermos, alidada a dicas de bem-estar. A alimentação como destaque, porém, começa a ganhar espaço na Itália do Renascimento.

Considerações importantes:
I. A Itália só se unifica no século XIX. Por isso, falar da Itália do Renascimento é falar de um conglomerado de territórios que formam a bota (forma da Itália no mapa), repleto de costumes/culturas peculiares;
II. Nesse período, os territórios italianos detinham o destaque máximo para a Europa. Assim, buscar referências de vida elegante por ali era buscar viver à italiana.
III. Livros - sejam quais forem - ao longo da história eram voltado SOMENTE às classes abastadas, que eram as letradas. Não falam, portanto, na esmagadora maioria das vezes, do que se alimentavam os estamentos populares. Apesar disso, muitos dos livros falavam de pratos que eram conhecidos pelo povo, mas associavam esses alimentos a outros, de consumo de nobres, como as aves, seres abençoados por estarem perto do céu (e, portanto, de Deus), que serviam de comida somente à aristocracia e ao clero. 
IV. Importante lembrarmos que os livros tinham por objetivo, durante grande parte da história, exportar hábitos alimentares distintos, voltados à aristocracia. Até o século XIX, não havia a preocupação em NACIONALIZAR a cozinha (e nada, já que não havia nação antes desse período). 

Comer o que se comia, como se comia e quando se comia, inspirados nos italianos, fazia dos demais europeus verdadeiros admiradores dos costumes ítalos. Os padrões de vida - estéticos, em especial - eram os inspirados no que emanava dali.

Os livros que tratam dos "bons modos" ou "bons costumes" traziam em seu escopo conteúdo sobre maneiras de se comportar, formas de educar as crianças e, como não poderia faltar, conteúdo ligado À alimentação. Mais que receitas, esses livros discutiam o que deveria ter em uma refeição, quais eram os dotes relacionados à alimentação (como o ato de trinchar de modo elegante as várias carnes) e o que deveria haver nas mesas mais abastadas, de modo a desprezar as de menor $uporte financeira - se é que vocês me entendem.

Os livros que falam de alimentação durante o Renascimento não falam sobre quantidades de ingredientes a serem utilizados nas receitas.

Segundo o historiador Ariovaldo Franco, em seu De Caçados a Gourmet, a ida de Catarina de Médici à França foi um dos elementos mais importantes para o deslocamento do eixo de centro de exportação cultural europeu. A partir do século XVII, França se torna o foco de atenção dos europeus para buscar referências de distinção e elegância.

Com La Varenne e a emergência do cozinheiro pensante, os livros eram então escritos por cozinheiros e para cozinheiros. Assim, não havia citações de quantidades exatas em nenhuma receita. Quando muito, os autores da Modernidade falavam de unidades pouco conhecidas hoje - em livros portugueses, "arrátel" é uma unidade extremamente utilizada, as demais pouco ou nada aparecem. Logo, cozinheiros letrados e já iniciados na arte da cozinha eram o público consumidor dos livros de cozinha até o século XIX.

Os dois primeiros livros de cozinha brasileiro são publicados no século XIX. O Cozinheiro Imperial (1839) e o Cozinheiro Nacional (1874?) buscavam nacionalizar as práticas alimentares, apesar de serem ainda muito inspirados nos livros de cozinha portugueses (Arte de Cozinha [1680] e o Cozinheiro Moderno [1780]). A segunda obra brasileira já trazia o vatapá e o caruru em suas preparações, apesar das imprecisões das receitas, o que reforça o público para quem eram escritos os livros.

Pessoal, não devemos esquecer uma coisa importante: os livros de cozinha são escritos para os HOMENS Sim, para os homens. Não haviam mulheres mestres de cozinha antes do século XX. O primeiro livro de cozinha que trás a mulher como um público alvo potencial consumidor é o Cozinheiro dos Cozinheiros, apesar de ser uma obra escrita por homens. Auguste Escofier fala da inutilidade da mulher para a cozinha industrial em suas obras. Bizarro, não é? Pois é, mulheres só escreverão livros de cozinha no século XX.

É na década de 1940 que se inaugura no Brasil as publicações Dona Benta. Voltadas ao público feminino, trazia receitas e dicas de comportamento para as mulheres donas de casa. Isso mesmo! Nas primeiras edições, inclusive, trazia gravuras que evidenciavam a importância da mulher cozinheira para segurar o marido em casa! Vás gravuras estão nessa edição aqui!

É a partir da década de 1950 que os livros trarão, mais que gravuras dos pratos, fotografias. Surgem, também neste período, os livros com quantidades precisas de ingredientes, o que tornou a cozinha muito mais fácil.

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E aí, gostaram? Espero que sim!

Apesar do pessoal curtir as publicações aqui em nosso blog - e eu ver que há dias que há mais de 20 visitas por aqui - eu só recebi um comentário até agora (obrigado, Thays, minha aluna querida). Os comentários são um importante termômetro para a gente escolher o caminho a ser seguido. Peço a gentileza de vocês que deixem suas impressões e sugestões nos comentários, ok?

As obras que inspiraram a publicação de hoje são Comida como Cultura e A Mesa Posta, ambas italianas e publicadas aqui pela editora Senac. Acessem a resenha da primeira obra aqui, escrita pela tradutora do texto original (de Massimo Montanari).

Espero que tenham gostado e até a semana que vem! Tchau!

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Vamos continuar aquele papo e O Cozinheiro Pensante

Fala, minha gente! Tudo bem com vocês?

Já nos recuperamos todos do carnaval? Espero que sim! Eu já retomei o meu trabalho na quinta-feira passada. A correria do ano, enfim, está oficialmente inaugurada.

Quero saber de vocês: gostaram do texto de carnaval? Eu achei muito bacana a reflexão sobre a "carne" (em sentido lato e stricto, rs.) e a guarda da quaresma para a Páscoa. Falava na última sexta-feira com os meus alunos acerca da influência da religião sobre os hábitos alimentares, e acho que esse período, ora em tela, mostra bem isso.

Mas hoje, como prometi no post da segunda semana de blog, retomamos as discussões a respeito da cozinha e do papel do cozinheiro.


Le Cuisinier Fraçois, de Pierre de La Varenne (1618-1678), primeiro 
escrito de cozinha publicado (1653) por um cozinheiro

Se você leu a minha publicação no jornal (que postei no último dia 07), pôde ver como os livros de cozinha e os cozinheiros influenciaram as tramas atuais da alimentação. Se o raio gourmetizador faz parte de nosso cotidiano, suas raízes são históricas e nos remetem a antes da era Cristã.

É a partir dessa perspectiva que quero expor a continuação do assunto "Cozinheiro Pensante" e dos livros de cozinha.

A medicina e a alimentação tiveram uma ligação histórica. Conforme nos conta o historiador Felipe Fernandez-Armesto, em seu "Comida, uma história", a nutrição só será desvinculada da medicina e vista como um campo de atuação terapêutica a partir do século XIX. Isso nos mostra, portanto, que os insumos alimentares são dotados de ações terapêuticas e, portanto, foram o remédio na cura de muitos males pela medicina.

Desde Hipócrates (460 a.C.-370 a.C.), pelo menos, a saúde foi vista sob a ótica da teoria dos humores. Esta teoria diz, em linhas gerais (acesso o link anterior para conhecer um pouco mais) que a saúde é pensada a partir dos humores - coléricos, sanguíneos, fleumáticos e melancólicos - e que, para uma saúde plena, tais condições humorais deveriam estar em equilíbrio. Vale ressaltar, ainda, que cada humor condiz, segundo essa teoria, a um órgão e a um fluido corpóreo; os alimentos, por sua vez, influenciavam no equilíbrios estre estes órgãos e estes fluidos.


A teoria humoral

Os alimentos eram classificados em frios, quentes, úmidos e secos. Como podemos pelo quadro acima, seus consumo era prescrito pelos médicos para visar o equilíbrio da saúde. De modo sintético, se seu humor enquadrava-se mais próximo ao colérico, seu órgão mais atacado é o fígado, seu fluido corpóreo mais significativo é a bílis amarela, seu humor se localiza entre o seco e o quente, e o elemento que melhor o representa é o fogo; sua alimentação será prescrita a partir de alimentos úmidos e frios, de molo q colocá-lo em equilíbrio neste quadro. Conseguiram entender?

Este processo, como dito, foi muito importante até o século XIX. Em pesquisas e conversas junto à minha orientadora, descobrimos que o rei português D. João V (1689-1750) teve prescrições feitas por seu médico e que foram transformadas em livro (me perdoem! Esqueci o nome da obra e a minha orientadora está de férias! Assim que ela voltar, peço a ela o nome da obra e linko o pdf dela aqui).

Bom, retomando a questão, a cozinha e a medicina, portanto, estiveram juntas ao longo de muitos anos. Os cozinheiros das cortes (na Antiguidade e na Idade Média) tinham por premissa, então, reproduzir para seus senhores o que lhes era medicado e, em ocasiões especiais, o que era sinônimo de opulência, segundo a moda do período em que estavam inscritos. Detalhe: esses modismos eram criados entre as cortes principalmente por influência da igreja católica, que dizia, por exemplo, que os pássaros eram os alimentos mais nobres, pois voavam e, por isso, estavam mais perto de Deus. Essas noções se modificam ao longo dos tempos, mas é na Modernidade que o cozinheiro começa a ocupar um lugar de destaque.

Em 1651, na Inglaterra, o cozinheiro francês Pierre de La Varenne publicou seu livro de cozinha, recusado pela França num primeiro momento. Seu livro ganhou expressões naquele país, o que incentivou o rei francês a publicar o livro do cozinheiro em 1653. Segundo os historiadores Philip e Mary Hyman, que escrevem o capítulo 35 (intitulado "Os livros de cozinha na França entre os séculos XV-XIX") do célebre História da Alimentação, este livro inaugura a figura do que chamam de o cozinheiro pensante. Este cozinheiro pensante, portanto, abandona pouco a pouco o seu papel serviçal para assumir posto de destaque nas cortes europeias. Os alimentos passam a ser consumidos não mais exclusivamente por indicação médica ou por modismo religioso, mas por sugestão ou indicação do cozinheiro. Repare: não se trata, ainda, do chef du cuisine, termo que ganha destaque somente com Auguste Escoffier (1846-1935), mas do cozinheiro (ou, como será chamado Domingos Rodrigues (1637-1719) em Portugal, mestre de cozinha).

A partir deste período, o cozinheiro foi ganhando destaque nas cortes europeias, tornando-se as grandes referências das tendências alimentares. Mais que os cozinheiro, os cozinheiros franceses ocuparam esse posto, já que a França é, desde a Modernidade, a referência para a gastronomia ocidental - talvez, para a gastronomia mundial. 

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E aí, gostaram do texto? Não deixem de comentar! Esse é o feedback de recebo da percepção de vocês. Fiquem à vontade para expressar sua opinião/percepção.

Viram que o blog está de layout novo? Pois é! Sugestão da querida Elaine Vieira, amiga jornalista de muitas primaveras atrás. Ela me sugeriu colocar um fundo branco, de modo que ficasse mais atrativo e menos cansativo para ler. Como sou um ser incapaz, peguei esse plano de fundo sugerido pelo blogspot, mas eu até gostei! Gostaram também? Comentem!

Bom, se vocês repararem, todos os textos são repletos de links. Acessem-nos para ampliar as discussões e/ou para conhecerem as obras sobre as quais eu falo aqui. Todas essas obras fazem parte do meu acervo pessoal e eu as considero fundamentais para os estudos propostos aqui em nosso blog.

Na semana que vem eu pretendo falar um pouco mais sobre os livros de cozinha, especificamente. Então fiquem ligados para a próxima postagem na terça-feira da semana seguinte, ok?

É isso! Boa semana para todos nós e espero que tenham gostado.

Cruji-tchau!

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Antes de continuarmos aquele papo...

cena-de-carnaval-debret
Cena de Carnaval, Debret, aquarela sobre papel, 18 x 23 cm, 1823


Fala, minha gente! Tudo bem com vocês?

Pois é! Postagem em pleno carnaval!!! Blog bombando! A todo o vapor!

Hoje eu continuaria o assunto da última semana, mas é impossível não fazer menção ao carnaval aqui. Assim, antes de continuarmos aquele papo, vamos falar um pouco sobre o carnaval? Acho super digno!

Para começar o assunto, fui buscar inspiração em outros espaços que trouxessem a temática à tona de uma forma bacana. Adorei este post deste blog. Joelza, dona do blog, está de parabéns! Não foi a toa que trouxe de lá até a imagem acima: uma obra de Debret retratando o carnaval. Assim, aproveitando o ensejo, quero trazer, além da relação entre o carnaval e a alimentação, a importância da obra de Debret para a gastronomia. Vamos lá?

Bom, vamos ao que nos interessa: o carnaval. Apesar de ser uma festa popular, este período marca o adeus à carne, precedendo um intervalo de jejum e sacrifícios antes do renascimento de Jesus Cristo (a Páscoa), conhecido por quaresma. Assim, para fazer jus aos 40 dias de abstinência, fazia-se as comemorações das maneiras mais extravagantes possíveis, de acordo com as tradições locais. Comia-se a carne, bebia-se o vinho e a cerveja, comemorava-se de forma veemente, já que os próximos dias seriam de grande sacrifício. Para saber um pouco mais da história dessa festa, clique aqui. O texto é bacana e bem simples, fácil de ser compreendido.

E quando essa festa chega ao Brasil? Durante a colonização, claro! "Colonizar" não se trata só de matar índios e enxertar o território de pessoas: com os "colonizadores" chegam, também, hábitos, costumes, toda complexidade ligada ao habitus das pessoas que chegam à nova terra. Assim, comemorava-se o carnaval aqui da maneira que era possível, haja vista as possibilidades aqui oferecidas serem bem diferentes das possibilidades em Portugal, não é?

A chegada da família real ao Rio de Janeiro, em 1808, causou um verdadeiro alvoroço. Não era só uma comitiva com milhares de pessoas que ali aportavam, eram hábitos e fazeres que estavam para ser reatualizados. Era a corte do reino que trazia o que havia de mais distinto. Era a fonte de inspiração da elite carioca. (Neste artigo, falo um pouco sobre as mudanças e a exportação de novos hábitos entre as elites durante a modernidade. Vale a leitura!)

Em 1816, chega ao Brasil, a convite do regente, D. João VI, uma comitiva de franceses para "ajudar" no processo civilizador do Brasil. Eram artistas (pintores, escultores) que tinham como premissa a modernização à francesa da terra tupiniquim. Um dos pintores que se destacou neste processo foi Jean-Baptiste Debret, não por ser um artista melhor que os demais, mas por ter publicado, já de volta à França, a obra intitulada Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Ao longo dos 15 anos que esteve aqui, Debret buscou entender o cotidiano da população que vivia no Rio de Janeiro de sua época, observando não só a elite, mas os costumes do povo em geral. Em sua obra, retratou uma série de costumes - muito se deve a ele, inclusive, o que se sabe sobre a alimentação no Brasil colonial durante a estadia da corte na capital do Brasil. 

Ao comparar os festejos de carnaval entre o Brasil e a Europa, o artista logo constatou que as comemorações aqui eram bem diferentes dos bailes de máscara, característicos da Europa de sua época. Numa de suas conclusões sobre a festividade, Debret diz que

"Para o brasileiro, portanto, o carnaval se reduz aos três dias gordos, que se iniciam no domingo às 5 horas da manhã, entre as alegres manifestações dos negros, já espalhados nas ruas a fim de providenciarem o abastecimento de água e comestíveis de seus senhores, reunidos nos mercados ou em torno dos chafarizes das vendas. Vemo-los aí, cheios de alegria e saúde, mas donos de pouco dinheiro, satisfazerem sua loucura inocente com a água gratuita e o polvilho barato que lhes custa cinco réis".

Os dias gordos, conforme apresentamos lá em cima, eram os dias de carne, os dias dos excessos que antecediam a quaresma. A alimentação, sem a menor sombra de dúvidas, ocupa um lugar importantíssimo nos festejos de carnaval.

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E aí, gostaram do texto de hoje? Deixe o seu comentário aqui, vamos trabalhando pra deixar esse espaço cada vez mais democrático e interessante para os leitores!

Aproveitando o ensejo, leram o meu texto que foi publicado no último domingo? Gostaram de saber um pouco mais sobre a gourmetização ao longo da história? Falei no último texto e reitero: adorei escrever sobre este processo! Comente aí o que você achou!

Busco escrever os textos com links que me ajudaram em sua construção, e acho bacana que vocês os acessem também. Vale a pena nós conhecermos o que outras pessoas estão falando sobre este tema também. Gostou dos links? Comente aqui também!

Galera, por hoje é isso. Espero que tenham gostado! Nos encontramos na próxima semana de novo. Tchau!


domingo, 7 de fevereiro de 2016

Quando gourmetizaram a alimentação

Fala, minha gente! Tudo bem com vocês?

Como vai o domingão de carnaval? Tudo ótimo?

Pois é, pra quem não teve a oportunidade de ler o meu texto no jornal de hoje, consegui colocar a foto dele nesta postagem. Espero que tenham uma leitura agradável!

Não se esqueçam: apesar de ser carnaval, terça-feira teremos mais um texto aqui no blog, certo?

Abração, boa folia!


terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

O começo dessa História



Fala, minha gente! Tudo bem com vocês?

Pois é, missão dada (por mim mesmo) é missão cumprida (por mim mesmo também)!
Sejam bem-vindxs ao segundo texto do nosso blog.

Como firmei compromisso na primeira postagem e na descrição deste blog, começaremos hoje as discussões que envolvem gastronomia e pesquisa! Sim! Para isso, então, quero convidá-los a dividir comigo esses apontamentos introdutórios que comporão a postagem.

Antes de iniciarmos, porém, vale ressaltarmos que os textos que darão base a esta discussão são a entrevista com o historiador Jacques Revel, autor do capítulo intitulado “Os usos da Civilidade”, na obra “História da Vida Privada 3”, de P. Ariés e G. Dubby,  além do artigo “A História da Alimentação:balizas historiográficas”, dos professores Ulpiano Bezerra de Menezes e Henrique Carneiro.

De antemão, é necessário destacarmos dois aspectos fundamentais:
- A alimentação só galga espaço como objeto sistematizado pelas ciências com a Antropologia do século XIX. Antes disso, a alimentação se limitava a tratados culinários e médicos (teremos uma postagem sobre isso em breve). Logo, pensar a alimentação a partir de uma perspectiva sistematizada é um movimento extremamente recente;
- O enfoque dado às discussões apresentadas contará com material produzido por pesquisadores de várias áreas, mas será direcionado por um pesquisador da História. Assim, caso alguns termos fiquem técnicos demais ou difíceis de compreender, deixem nos comentários, darei um jeito de tornar mais palatável assim que possível. Vale ressaltarmos que não se trata de um texto com rigor acadêmico, mas de um espaço de fomento à curiosidade. Caso queira se aprofundar no assunto, os link estão disponíveis acima.

Já de início, vale ressaltarmos que as estacas que delimitam o espaço de produção intelectual nessa área se confinam num espaço delimitado. Logo, França, Itália, Alemanha, Espanha e Áustria são os países pioneiros na produção intelectual ligada à alimentação. Passaremos pelo Brasil também, mas é necessário não perdermos de vista que a produção nessa área ainda é pouca aqui em nosso país.
Apesar da sistematização das produções na área serem recentes, a história é repleta de representações que referenciam a alimentação desde a antiguidade, e são produzidas a partir de seus vários enfoques. Menezes e Carneiro (p. 3) distinguirão, portanto, esses enfoques em cinco grandes subcategorias: o biológico, o econômico, o social, o cultural e o filosófico.

A partir dessa segmentação, a alimentação é percebida em suas várias nuances. A alimentação a partir do enfoque biológico tem sua ligação fortemente marcada com os estudos médicos, já que é desde a Antiguidade que as dietas alimentares compõem parte importante no tratamento de doenças, além dos conhecimentos produzidos em botânica e zoologia e propiciadora à emergência da nutrição no século XIX. O enfoque econômico nos deixa claro a importância dos alimentos nos ciclos econômicos ao longo da história: especiarias, cana-de-açúcar, café, tabaco, farinha. A noção de cultura material, inclusive, é o que convoca a história a dar importância à alimentação no século XX. O enfoque social, por sua vez, tema principal da expressão deste blog, situa-se na própria formação das sociedades, uma vez que estas têm em comum a língua e a alimentação. Apesar de estar na base da formação social, a alimentação ganha suas expressões como objeto da História, de fato, a partir da década de 1970. Ao lado do social, o enfoque cultural busca compreender a alimentação (técnicas de cocção, ingredientes, dieta etc.) como expressão além da nutricional. Dito de outra forma, busca-se compreender os meandros ligados aos fazeres alimentares, não à ingestão do alimento em si; busca-se perceber os códigos alimentares. Por fim, a questão filosófica se desmembra em ética (escolhas alimentares, por exemplo) e estéticas (de foro íntimo às questões culturais e sociais).
Essas percepções apontadas pelos historiadores brasileiros são importantíssimas para entendermos parte do atual percurso do trabalho com a história da alimentação. Mas isso só é possível hoje porque o século XX presenteou a História com discussões que extrapolavam as biografias sobre as grandes personalidades do passado e os ciclos econômicos.

Visando ampliar o debate historiográfico no século XX, fundou-se na França a revista intitulada Annales. As publicações da revista eram extremamente revolucionárias para a as época, quando a história começa a ampliar suas nuances de reflexão, revendo seus próprios conceitos (o que é História? como fazer História?) e ampliando seus objetos de análise. Em franco diálogo com a Antropologia, a História se permitiu novas abordagens e novos métodos. Foi sob a direção de Fernand Braudel, porém, que alimentação conseguiu entrar, de fato, para várias publicações na revista. E foi sob a direção de Jacques Revel que a alimentação ganhou seu status de objeto de expressão da cultura material social. Isso representou um marco!
Apesar disso, no Brasil a alimentação como objeto traçou um rumo bem peculiar. Fomos, inclusive, desbravadores de abordagens étnicas com Luís da Câmara Cascudo! Querem saber mais sobre isso? Tema da próxima postagem!

Por hoje é isso. Gostaram? Comentem!

Aproveito o ensejo para convidá-lxs a lerem o meu texto que será publicado no próximo domingo de carnaval (dia 07/02) no jornal A Tribuna. Reforçando a compreensão de gastronomia como manifestação cultural e prática histórica, trouxe à tona um tema que gostei muito de refletir: a história da gourmetização. Pois é, as preferências alimentares figuram ao longo da história (farei um post sobre isso em breve) e são aferíveis a partir de uma série de documentos – cito dois em meu artigo. Leiam e façam a crítica aqui nos comentários.


Outra coisa muito bacana para o crescimento das pesquisas em gastronomia: a Revista Ágora, publicada pelo Departamento de História e Geografia da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), abriu nova chamada de artigos. Com o dossiê intitulado “Gastronomia: saberes e fazeres”, a revista dá visibilidade ao campo de estudos em questão aqui neste blog, além de fomentar as produções na área. Com uma temática ampla, e por se tratar de uma revista do departamento de História da universidade, as apostas estão circundando os artigos que consigam contemplar os fazeres tradicionais gastronômicos. Os artigos serão aceitos para emissão de parecer até o dia 31 de março. Se você quiser conhecer alguns dos fazeres gastronômicos registrados como patrimônio imaterial brasileiro (vai que rola uma inspiração, né?), acesse o link dos dossiês de registros do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).