Fala, minha gente! Tudo bem com vocês?
Bom, na última semana nós falávamos sobre o foi a cozinha ao longo da história, falávamos sobre a relação entre alimentação e medicina, além de tentarmos aferir o momento em que essa relação ocupa instâncias mais autônomas e menos dependentes. Lembram?
Pois é. Como promessa é dívida, continuaremos a falar sobre essa relação, agora, a partir dos livros.
Já falamos sobre o primeiro livro de cozinha a ser publicado, já falamos sobre o autor, os processos de autonomia que seguiram... enfim, falamos um bocado sobre essa história toda. Mas falamos pouco sobre os livros em si; nosso tema, então, vai se localizar em analisar os escritos em si.
No post anterior, falei sobre os primeiros escritos que tinham a cozinha em seu escopo (Edipateia e De Re Coquinaria). Vimos que a alimentação era ali expressa como citações do que eram boas iguarias e quais lugares produziam melhor determinados produtos. Lembram-se?
Pois bem, a coisa foi assim por muito tempo. Há escritos da Antiguidade e da Idade Média que trazem a alimentação em seu escopo também - normalmente, para não esquecermos, alidada a dicas de bem-estar. A alimentação como destaque, porém, começa a ganhar espaço na Itália do Renascimento.
Considerações importantes:
I. A Itália só se unifica no século XIX. Por isso, falar da Itália do Renascimento é falar de um conglomerado de territórios que formam a bota (forma da Itália no mapa), repleto de costumes/culturas peculiares;
II. Nesse período, os territórios italianos detinham o destaque máximo para a Europa. Assim, buscar referências de vida elegante por ali era buscar viver à italiana.
III. Livros - sejam quais forem - ao longo da história eram voltado SOMENTE às classes abastadas, que eram as letradas. Não falam, portanto, na esmagadora maioria das vezes, do que se alimentavam os estamentos populares. Apesar disso, muitos dos livros falavam de pratos que eram conhecidos pelo povo, mas associavam esses alimentos a outros, de consumo de nobres, como as aves, seres abençoados por estarem perto do céu (e, portanto, de Deus), que serviam de comida somente à aristocracia e ao clero.
IV. Importante lembrarmos que os livros tinham por objetivo, durante grande parte da história, exportar hábitos alimentares distintos, voltados à aristocracia. Até o século XIX, não havia a preocupação em NACIONALIZAR a cozinha (e nada, já que não havia nação antes desse período).
Comer o que se comia, como se comia e quando se comia, inspirados nos italianos, fazia dos demais europeus verdadeiros admiradores dos costumes ítalos. Os padrões de vida - estéticos, em especial - eram os inspirados no que emanava dali.
Os livros que tratam dos "bons modos" ou "bons costumes" traziam em seu escopo conteúdo sobre maneiras de se comportar, formas de educar as crianças e, como não poderia faltar, conteúdo ligado À alimentação. Mais que receitas, esses livros discutiam o que deveria ter em uma refeição, quais eram os dotes relacionados à alimentação (como o ato de trinchar de modo elegante as várias carnes) e o que deveria haver nas mesas mais abastadas, de modo a desprezar as de menor $uporte financeira - se é que vocês me entendem.
Os livros que falam de alimentação durante o Renascimento não falam sobre quantidades de ingredientes a serem utilizados nas receitas.
Segundo o historiador Ariovaldo Franco, em seu De Caçados a Gourmet, a ida de Catarina de Médici à França foi um dos elementos mais importantes para o deslocamento do eixo de centro de exportação cultural europeu. A partir do século XVII, França se torna o foco de atenção dos europeus para buscar referências de distinção e elegância.
Com La Varenne e a emergência do cozinheiro pensante, os livros eram então escritos por cozinheiros e para cozinheiros. Assim, não havia citações de quantidades exatas em nenhuma receita. Quando muito, os autores da Modernidade falavam de unidades pouco conhecidas hoje - em livros portugueses, "arrátel" é uma unidade extremamente utilizada, as demais pouco ou nada aparecem. Logo, cozinheiros letrados e já iniciados na arte da cozinha eram o público consumidor dos livros de cozinha até o século XIX.
Os dois primeiros livros de cozinha brasileiro são publicados no século XIX. O Cozinheiro Imperial (1839) e o Cozinheiro Nacional (1874?) buscavam nacionalizar as práticas alimentares, apesar de serem ainda muito inspirados nos livros de cozinha portugueses (Arte de Cozinha [1680] e o Cozinheiro Moderno [1780]). A segunda obra brasileira já trazia o vatapá e o caruru em suas preparações, apesar das imprecisões das receitas, o que reforça o público para quem eram escritos os livros.
Pessoal, não devemos esquecer uma coisa importante: os livros de cozinha são escritos para os HOMENS Sim, para os homens. Não haviam mulheres mestres de cozinha antes do século XX. O primeiro livro de cozinha que trás a mulher como um público alvo potencial consumidor é o Cozinheiro dos Cozinheiros, apesar de ser uma obra escrita por homens. Auguste Escofier fala da inutilidade da mulher para a cozinha industrial em suas obras. Bizarro, não é? Pois é, mulheres só escreverão livros de cozinha no século XX.
É na década de 1940 que se inaugura no Brasil as publicações Dona Benta. Voltadas ao público feminino, trazia receitas e dicas de comportamento para as mulheres donas de casa. Isso mesmo! Nas primeiras edições, inclusive, trazia gravuras que evidenciavam a importância da mulher cozinheira para segurar o marido em casa! Vás gravuras estão nessa edição aqui!
É a partir da década de 1950 que os livros trarão, mais que gravuras dos pratos, fotografias. Surgem, também neste período, os livros com quantidades precisas de ingredientes, o que tornou a cozinha muito mais fácil.
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E aí, gostaram? Espero que sim!
Apesar do pessoal curtir as publicações aqui em nosso blog - e eu ver que há dias que há mais de 20 visitas por aqui - eu só recebi um comentário até agora (obrigado, Thays, minha aluna querida). Os comentários são um importante termômetro para a gente escolher o caminho a ser seguido. Peço a gentileza de vocês que deixem suas impressões e sugestões nos comentários, ok?
As obras que inspiraram a publicação de hoje são Comida como Cultura e A Mesa Posta, ambas italianas e publicadas aqui pela editora Senac. Acessem a resenha da primeira obra aqui, escrita pela tradutora do texto original (de Massimo Montanari).
Espero que tenham gostado e até a semana que vem! Tchau!